Era meia noite, e aquela família se encontrava mais uma vez naquela humilde casa. Pai, mãe e dois filhos pequenos, a menina de nove anos e o menino de cinco. Era uma noite fria, escura e chuvosa, o serviço de meteorologia tinha anunciado que o tempo poderia ser chuvoso naquela noite, só isso, não anunciou nada sobre a intensidade da tormenta. Mas a tempestade chegou de repente. A população daquela típica cidade brasileira naquela região, passava mais uma noite como outra qualquer...
Porém, a cada minuto um trovão ecoava naquele tenebroso inverno, estremecendo o terreno de toda aquela área onde foram construídas milhares de casas sem nenhum planejamento habitacional, tudo surgindo como ocupação desordenada, e aquela família dormia tranquilamente, quando outro trovão muito forte ecoou naquele momento fazendo o pai pular da cama e ficar apreensivo quanto àquela tempestade que já se apresentava fora do normal. Olhou para o lado e viu sua esposa ainda dormindo, levantou-se e foi ao quarto dos filhos e estes dormiam tranquilos como dois anjinhos, sentou-se à beira de suas camas, ajeitou-lhes os lençóis e passou a mão acariciando seus rostos quentinhos naquela noite tão fria e chuvosa.
Voltou para a cama do casal e resolveu chamar a esposa que acordou sobressaltada e perguntou assustada:
- O que está acontecendo?
- Essa tempestade está demorando e parece que fica cada vez mais intensa... Balbuciou o pai com um olhar tenso. A esposa olhou para o marido e admirou sua aparente coragem... E desejou que ele a pegasse nos braços, para confortá-la protegendo a si e a seus filhos daquela tempestade assustadora. De repente, um estouro estremecedor clareou tudo dentro daquela pequena casa. Foi um raio que aparentemente caiu nas proximidades, nessa hora a energia se foi ficando a casa as escuras e ouviam-se vozes e gritos na rua…, então ela gritou:
- Nossos filhos!?
O pai se levantou e correu para e quarto dos filhos se batendo nos móveis e paredes naquela escuridão.
A mãe hesitante sentou-se na beira da cama rezando. Chamou pelo marido, pegou o celular e tentou ligar para seus parentes se estavam atentos àquela tempestade, mas o celular não completava a chamada e uma gravação dizia: "Telefone desligado ou fora de área". (essas operadoras sempre nos presenteiam com esse tipo de surpresa nas horas que mais precisamos delas, mesmo pagando caríssimo pelo desserviço).
Ainda no escuro, o pai sai apalpando pelas paredes e móveis e foi até ao telefone fixo próximo a cama, e este também não funcionava, apenas dava um sinal como estivesse ocupado o tempo todo (outro problema dessas operadoras de telefonia fixa quando chove, não funciona nada!).
- Meu Deus, neste país tudo deixa de funcionar quando chove, que absurdo... Esbraveja aquele pai desesperado, enquanto ia ao banheiro para lavar seu rosto, mas neca, não tinha água...
O pai volta para o quarto do casal trazendo uma vela acesa e tenta confortar sua esposa:
- Calma amor, os meninos estão dormindo, logo a tempestade vai passar... Mas nesse instante percebe que tem lama escorrendo dentro da casa por debaixo da cama, e tem maus pressentimentos...
E a chuva continua e os trovões também... Ouvem-se vozes e gritos na rua, mas não se sabe de que se trata, nem o que possa está ocorrendo... Foi quando se ouviu um novo estouro muito próximo, e logo em seguida aquela pequena, mas até então feliz casa foi destruída por uma avalanche de lama e lixo dispersando seus moradores levando-os para uma gigantesca enxurrada que passava na principal rua daquele bairro. Ouviu-se ainda a voz daquela mãe desesperada sendo abafada pelo barulho da chuva e da enxurrada que gritava:
- Pelo amor de Deus! Cadê meus filhos! Meus filhos!!!" O pai foi também levado por aquele rio de lama e perdeu-se de sua amada família...
Só aí eles perceberam a desgraça que estava acontecendo naquela pequena cidade na encosta daquela região serrana. Misturaram-se aos outros que gritavam por socorro em meio aquele inferno diluviano, cada um tentando agora salvar sua própria vida, mas pensando no restante de suas famílias como; pais, filhos, etc.
Ao amanhecer só se via uma grande destruição para todos os lados. Voluntários da Defesa Civil e Bombeiros já se encontravam no local resgatando os sobreviventes, feridos e mortos. Aquele pai até então sem saber por onde andavam seus queridos filhos e esposa. Nesse momento foi alertado de que algumas crianças se encontravam mortas presas numas galhadas de árvores um pouco abaixo de onde estavam, qual foi sua aflição quando se aproximou do local, torcendo que não fosse seus filhos, mas se não fosse os seus, seriam de alguém que teriam a mesma dor. Mas infelizmente eram os seus e foi grande a dor daquele pai em encarar a triste realidade que acontece diariamente em nosso país. Tudo pelas falhas e desumanidade de nossas autoridades que se mostram incapazes de efetivar políticas públicas habitacionais com planejamento e segurança para a população, que por falta de um teto, vai ocupando espaços impróprios para construírem suas humildes casas. E o resultado de tudo isso é sempre uma desgraça anunciada em família, com perdas irreparáveis...
E infelizmente, isso já está acontecendo também em nossa região, com tantas áreas ainda disponíveis, como vimos recentemente em Itaituba. Faltam políticas de expansão das cidades, com planejamento...